quinta-feira, 26 de maio de 2011

BIOGRAFIA E AUTOBIOGRAFIA: conceitos e exemplos diversos...

Uma BIOGRAFIA é uma história de uma vida. É um acervo de experiências que serve, sobretudo, o propósito de exemplo. Mais do que manifestação de homenagem (ou denúncia), é um gesto de transmissão de algo exemplar. Regra geral, e ainda bem, positivo.

Para muitos (e ainda bem) uma vida preenchida e marcante passa também por ter sido, ou por ser, exemplar: Uma referência para a posteridade, um modelo cívico, empreendedor, ético, na inovação, na criação, uma referência que os vindouros possam apreciar como boa, inspiradora e única. Mas pela negativa ou pela positiva, a biografia é sempre a literatura do exemplo por excelência. É nesse sentido que são também valiosas as biografias de ditadores ou criminosos. Para que o futuro conheça exemplos de ignomínia, de caminhos a evitar, da dualidade da natureza humana. De todo o modo, lições.

AUTOBIOGRAFIA

Como contar a sua própria vida

Se BIOGRAFIA é a história da vida de alguém (já que bio é vida e grafia é texto, escrita), o que você imagina ser autobiografia? O prefixo auto quer dizer "a si mesmo", logo o termo se refere à história da própria vida.

Leia a apresentação que faz de si mesmo o escritor de livros infantis Bartolomeu Campos Queiroz:


...das saudades que não tenho

Nasci com 57 anos. Meu pai me legou seus 34, vividos com duvidosos amores, desejos escondidos. Minha mãe me destinou seus 23, marcados com traições e perdas. Assim, somados, o que herdei foi a capacidade de associar amor ao sofrimento...
Morava numa cidade pequena do interior de Minas, enfeitada de rezas, procissões, novenas e pecados. Cidade com sabor de laranja-serra-d’água, onde minha solidão já pressentida era tomada pelo vigário, professora, padrinho, beata, como exemplo de perfeição.
(...) Meu pai não passeou comigo montado em seus ombros, nem minha mãe cantou cantigas de ninar para me trazer o sono. Mesmo nascendo com 57 anos estava aos 60 obrigado ainda a ser criança. E ser menino era honrar pai com seus amores ocultos. Gostar da mãe e seus suspiros de desventuras.
(...) Tive uma educação primorosa. Minha primeira cartilha foi o olhar do meu pai, que me autorizava a comer ou não mais um doce nas festas de aniversário. Comer com a boca fechada, é claro, para ficar mais bonito e meu pai receber elogios pelo filho contido que ele tinha. E cada dia eu era visto como a mais exemplar das crianças, naquela cidade onde a liberdade nunca tinha aberto as asas sobre nós.
Mas a originalidade de minha mãe ninguém poderá desconhecer. Ela era capaz de dizer coisas que nenhuma mãe do mundo dizia, como por exemplo: – Você, quando crescer vai ter um filho igual a você. Deus há de me atender, para você passar pelo que eu estou passando. – Mãe é uma só. (...)

(Bartolomeu Campos Queiroz, em Abramovich, Fanny (org.) – “O mito da infância feliz”. Summus, São Paulo, 1983).




A autobiografia de Bartolomeu Campos Queiroz é marcada por uma certa tristeza e uma forte crítica tanto à educação dos pais, quanto aos costumes da cidadezinha onde nasceu. Dessa forma, ele rompe com a ideia de que criança é sempre feliz por ser inocente e não perceber os problemas da vida.


O escritor dá a entender que todos nascemos velhos, porque somos parte de vidas já vividas pelos pais e até mesmo pela sociedade - simbolizada em seu texto pela cidadezinha em que nasceu.


Também vale notar a referência irônica ao célebre poema "Meus oito anos", de Casimiro de Abreu ("Oh! que saudades que tenho/ da aurora da minha vida...)


Na biografia, a seleção dos eventos a serem apresentados é definida pelos outros, por isso, a objetividade é mais evidente que na autobiografia, em que a pessoa escolhe o que vai escrever sobre ela mesma.


Outra característica tanto da biografia quanto da autobiografia é a veracidade dos fatos. Costumam ser narrativas não ficcionais, ou seja, não são histórias "inventadas". O relato dos fatos no texto autobiográfico aparece frequentemente pontuado de lembranças, de um colorido emocional, que não é mostrado em outros tipos de textos. Predomina a subjetividade.


Compare a autobiografia reproduzida acima com a biografia de Carlos Drummond de Andrade. O que se pode concluir sobre a presença escolha dos pronomes: na biografia predomina o uso da terceira pessoa (ele), enquanto na autobiografia predomina o uso da primeira pessoa (eu). Esses usos relacionam-se à maior ou menor objetividade.



Autobiografia e sátira
Falar de si mesmo é sempre difícil... Nada como uma boa dose de bom humor para olhar para si próprio, não é mesmo? Leia como alguns autores tratam de suas biografias de forma bem-humorada.


Aí eu peguei e nasci!
Sou filho de árabe com loira e deu macaco na cabeça. E eu não tenho 56 anos. Eu tenho 18 anos. Com 38 de experiência. E eu era um menino asmático que ficava lendo Proust e ouvindo programa de terror no rádio.
Em 69 entrei pra Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Mas eu matava aula com o namorado da Wanderléa pra ir assistir o programa de rádio do Erasmo Carlos. E aí eu desisti. Senhor Juiz, Pare Agora!
E aí eu fui pra swinging London, usava calça boca de sino, cabelo comprido e assisti ao show dos Rolling Stones no Hyde Park. E fazia alguns bicos pra BBC.
Voltei. Auge do tropicalismo. Freqüentava as Dunas da Gal em Ipanema. Passei dois anos batendo palma pro pôr-do-sol e assistindo o show da Gal toda noite. E depois diz que hippie não faz nada! (...)

José Simão Biografia




Perceba como José Simão, ao usar linguagem coloquial, expressões populares e gírias, se aproxima do leitor de jornal e da Internet ao escrever um texto descontraído e cheio de humor: "Aí eu peguei", "deu macaco na cabeça", "matava aula", "alguns bicos pra BBC", etc.


Ao escolher "fatos não nobres" de sua autobiografia, José Simão torna seu texto mais engraçado e carregado de ironia - uma boa maneira de fazer humor.


Leia a seguir a autobiografia de mais um humorista - Millôr Fernandes, um dos fundadores do famoso jornal alternativo dos anos 60 e 70, "O Pasquim":



SUPERMERCADO MILLÔR -- ANO I - N.º 1

(Autobiografia De Mim Mesmo À Maneira De Mim Próprio)

"E lá vou eu de novo, sem freio nem paraquedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas as palavras – reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada. Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.”


Millôr




1) Releia o título "Supermercado Millôr" e o subtítulo "Autobiografia de Mim Mesmo à maneira de Mim Próprio" e analise que relação pode haver entre uma autobiografia e a ideia de produto a ser vendido, como mercadoria, num supermercado.


2) Relembrando que pleonasmo é uma forma de se usar a mesma ideia de forma repetitiva e desnecessária - lembre-se dos famosos pleonasmos "subir para cima", "descer para baixo", "entrar para dentro" e "sair para fora", que, segundo a gramática, devem ser evitados. Procure, então, explicar os pleonasmos usados no subtítulo, por Millôr, confirmando a abordagem satírica de sua biografia.


3) Millôr elabora sua biografia, de forma irônica e crítica, ao usar:


•contradições/paradoxos;

•chavões ou frases feitas, recriando-os;

•criação de novas palavras, com fina ironia.

Enfim, muitas vezes, o gênero biografia pode ser uma boa desculpa para um escritor fazer crítica social ou mesmo brincar consigo mesmo e com a própria humanidade.


FONTE: INTERNET

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