terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Texto: EMERGÊNCIA (Luís Fernando Veríssimo)

EMERGÊNCIA (Luís Fernando Veríssimo) É fácil identificar o passageiro de primeira viagem, é o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento de aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para sua compreensão. - Bom dia... - Como assim? Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado. - Não encontrou o buraquinho. Não tem buraquinho? Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa. - Obrigado. Não bebo. Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar vôo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! No rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela. Mas o pior está por vir. De repente ele ouve uma misteriosa voz escarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz. “Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás”. - Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência. Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo. - Isto é apenas rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai meu santo. “No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos”. - Que história é essa? Que despressurização? Que cabina? “Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente”. - Respirar normalmente? A cabina despressurizada, máscara de oxigênio caindo sobre nossas cabeças – e ele quer que a gente respire normalmente? - “Em caso de pouso forçado na água... - O quê? “... os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e ...” - Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes! - Calma cavalheiro. - Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem! - Cavalheiro, por favor. Fique calmo. - Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por que, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul. - Calma! Isso. Pronto. Fique tranqüilo. Não vai acontecer nada. - Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante. - Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante. Ele se vira para o passageiro ao lado, que tente desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça. - É que banco flutuante foi demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do Oceano Atlântico! A aeromoça diz que lhe vai trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá pulo: - Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa! Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração. De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante. - Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de... Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabine do piloto: - Olha pra frente, Araújo! Olha pra frente, Araújo! COMPREENSÃO 1. Segundo o texto, como se identifica um passageiro de primeira viagem? 2. Por que o passageiro faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta? 3. O passageiro teve dificuldade com o sinto de segurança. Que dificuldade foi essa? Como ele solucionou o problema? 4. Em duas passagens, o passageiro, de tão nervoso, chega a Ter problemas de audição. Aponte-as. 5. Após recusar o almoço, que proposta fez o passageiro? 6. O que poderia matar o passageiro do coração? 7. Com que intenção o passageiro grita para a cabina do piloto? 8. Você acha que a personagem principal do texto voltará a viajar de avião? Por quê? 9. O protagonista do texto tem uma fobia, ou seja horror às alturas. Como chama essa fobia?

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