O Navio Negreiro...
Um dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, O Navio Negreiro – Tragédia no Mar foi concluído pelo poeta em São Paulo, em 1868. Quase vinte anos depois, portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, de 4 de setembro de 1850. A proibição, no entanto, não vingou de todo, o que levou Castro Alves a se empenhar na denúncia da miséria a que eram submetidos os africanos na cruel travessia oceânica. É preciso lembrar que, em média, menos da metade dos escravos embarcados nos navios negreiros completavam a viagem com vida.
Composto em seis partes, o poema alterna métricas variadas para obter o efeito rítmico mais adequado a cada situação retratada. Assim, inicia-se com versos decassílabos que representam, de forma claramente condoreira, a imensidão do mar e seu reflexo na vastidão dos céus:
“'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar - dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
- Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Note o leitor que o poema se inicia com a supressão da vogal E inicial da palavra Estamos, grafada ‘Stamos para que o poeta forme um verso decassílabo. É um recurso tipicamente romântico: a expressão suplanta o cuidado formal.
Na segunda parte do poema, composta em versos redondilhos maiores (heptassílabos), ao seguir o navio misterioso, pedindo emprestadas as asas do albatroz, o eu lírico escuta as canções vindas do mar. Ao se aproximar, na terceira parte, em versos alexandrinos, o eu lírico se horroriza com a “cena infame e vil”, descrita na quarta parte do poema, através de versos heterossílabos, alternando decassílabos e hexassílabos:
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
Na quinta parte, novamente em heptassílabos, o poeta faz um retrocesso temporal, descrevendo a vida livre dos africanos em sua terra. Cria, assim, um contraponto dramático com a situação dos escravos no navio. Na última estrofe Castro Alves retoma os decassílabos do início para protestar com veemência contra a crueldade do tráfico de escravos:
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta dos teus mares!
terça-feira, 5 de maio de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Seguidores
Arquivo do blog
-
▼
2009
(158)
-
▼
maio
(52)
- WWW.IRREGULAR.COM : A DIVERSIDADE NO MEIO JORNALÍS...
- A mais pura realidade escrita em forma de poesia...
- www.irregular.com.br: Dinheiro fácil, rápido e sem...
- www.irregular.com.br:Prostituição Infantil até qua...
- Comece seu dia de bom humor e em paz...
- Canção das mulheres...
- Leia...Lya Luft...
- Seja um ser crítico!!!
- PRIMEIRO O SEU PENSAR...
- Que dor dói mais?
- LEIA URGENTE...
- VAMOS PENSAR UM POUCO...
- SALMOS 11...
- SAlmos 145...
- SALMOS 138...
- SALMOS 23...
- SALMOS 91...
- Mais belo dos Salmos...
- PIADAS E REFLEXÃO...
- PERFUME DE MULHER - PARA ELAS - COMPORTAMENTO./ Fo...
- OS SERTÕES DO BRASIL - A GUERRA DE CANUDOS. / Font...
- ABERRAÇÕES TIPICAMENTE BRASILEIRA. / Fonte: www.ir...
- Metamorfose...
- NÃO ESQUEÇA DESSA REGRINHA...
- O QUE REALMENTE É VÁLIDO NA HORA DE AVALIAR???
- REGRAS: Três prefixos que não foram mencionados no...
- VOCÊ SABE??????????
- O navio negreiro...
- CANÇÃO DO EXÍLIO. ( Gonçalves Dias )
- MORTE E VIDA SEVERINA. ( João Cabral de Melo Neto )
- AMOR DE PERDIÇÃO. ( Camilo Castelo Branco )
- CIDADE DE DEUS. ( Paulo Lins )
- Um livro amigo é...
- A poesia revela este mundo e cria outro...
- O meu olhar é...
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
- Sem título
-
▼
maio
(52)
Somos o que pensamos. As palavras tem um valor enorme na nossa vida. Saiba falar...
- Professora Sandra
- Carazinho/Saldanha Marinho e Santa Bárbara do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil
- Alguém que acredita que um sonho pode se tornar realidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário